A família Benaci viajava até o meio oeste do Estado para buscar gado há mais de 50 anos


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Olíndio guarda na memória as inúmeras viagens que fez para trazer o gado até Gaspar / Foto: Daniel Schattschneider/

Lá pelos idos do século XVII transportar gado não era uma tarefa fácil no Brasil. Conduzir o rebanho das regiões produtoras para os centros consumidores era tarefa dos chamados tropeiros - condutores de tropas de gado também conhecidos por arrieiros ou buraqueiros. As viagens aconteciam entre o Sul do país, na época a maior região produtora de gado de corte, e o Sudeste, o centro comercial. Desta época contam-se verdadeiras sagas. Aliás, foi graças aos tropeiros que muitas cidades surgiram. Esse vai e vem de tropas foi intenso até o começo do século XX quando então outros meios de transporte substituíram o tropeirismo. Em Gaspar, a família Benaci foi tropeira até os anos 1940. O grupo era formado por José Benaci, o filho Olíndio, o tio Doro Benaci e seu filho José, o popular Zequinha, e dois outros funcionários. Eles percorriam cerca de 200 quilômetros em lombo de cavalo para trazer os animais de Curitibanos, no meio oeste do Estado, para as terras da família na localidade do Óleo Grande.

O gado que eles compravam em Curitibanos revendiam para clientes de Gaspar, Brusque e outros municípios da região. Mais tarde, José e o filho Olíndio abriram um açougue e passaram a vender cortes 'in natura'. "O pessoal chamava os gados daqui de 'gado crioulo', e os gados lá de Lages de 'gado campeiro'. Eu lembro que a minha tia não comia outra carne a não ser a do 'gado campeiro', mas no fim das contas era tudo a mesma coisa", diverte-se Olíndio, hoje com 85 anos. Ele começou a acompanhar o pai nas viagens aos 12 anos. "Eu gostava muito dessas viagens, era uma verdadeira festa que você não imagina", afirma o simpático senhor.

Em média, o grupo conduzia 150 reses por viagem. Olíndio conta que, algumas vezes, traziam cavalos, por isso a quantidade de animais era menor. Além da distância, o frio e a chuva eram inimigos implacáveis dos tropeiros. As viagens poderiam durar dias e até um mês, como aconteceu várias vezes. Para ir até Curitibanos, os Benaci pegavam um trem até Campos Novos ou carona em caminhões madeireiros que faziam o mesmo trajeto.

O problema era o retorno. "Percorríamos cerca de 20 quilômetros por dia, o que levava, em média, de 10 a 12 dias de viagem em situação normal", diz Olíndio. O trajeto era sempre o mesmo e bem conhecido de todos. Havia pousadas no caminho para que a tropa descansasse. "A cidade de Pouso Redondo era uma dessas paradas obrigatórias", recorda Olíndio.

Perigo sempre existia, mas a maioria das viagens era feita com muita segurança. Segundo Olíndio, não era comum viajar em dias chuvosos porque era mais difícil guiar o rebanho. "Se a chuva apertasse, a gente interrompia a viagem em até um dia. Se a chuva caía durante o dia, precisávamos conduzir os animais até um local seguro", diz o ex-tropeiro. O problema, de acordo com ele, era quando a chuva virava tempestade no meio do caminho. "Uma vez, vários dos nossos bois enfrentaram uma enchente; meu pai resolveu então entrar na água para resgatar os animais, porém, o cavalo ficou agitado e o derrubou. Meu pai se machucou bastante", conta. Foi preciso chamar o socorro para levar seu José para o hospital, já que ele teve fratura na bacia. "Meu pai ficou meses em recuperação sem poder participar das viagens", revela o ex-tropeiro.

A chegada dos tropeiros a Gaspar era sempre um grande acontecimento. "No Bateias e Barracão, as pessoas iam para as ruas ver a boiada passar. Eu lembro que uma professora chegava a interromper a aula para que os alunos pudessem assistir a chegada dos tropeiros e do rebanho. Era uma grande festa para a comunidade", acentua seu Olíndio com uma ponta de orgulho.

Parte do gado seguia para a fazenda de Doro Benaci, na cidade de Navegantes, no Litoral. A outra ficava em Gaspar nas terras de José, que vendia os bois vivos para clientes no Bateias e Brusque. Essa cansativa rotina de viagens foi aos poucos perdendo força. O transporte dos animais também passou a ser feito em vagões de trem. A família Benaci, por sua vez, investiu no açougue, deixando de vender o boi vivo. Olíndio e seus irmãos, Augusto e José Júnior, passaram a administrar os empreendimentos da família depois que o pai faleceu.

Algum temo depois, Olíndio deixou o ramo de carnes para investir em outro negócio: a fabricação de cachaça artesanal e farinha. Ele também foi proprietário de olaria, e já próximo da aposentaria retornou ao ramo de transportes, porém, como motorista de caminhão, mas essa é outra história que envolve ainda a esposa, Isolete Maria Benaci, com quem é casado há mais de 55 anos, e seus três filhos: Elisiário, Evandro e Luciana. Hoje, o antigo tropeiro vive em um confortável sítio, cercado de lembranças, onde ainda dá conta cuidar de cerca de 40 cabeças de gado, uma paixão que ele admite ser eterna. "Se existe alguém que não consegue ficar parado, sou eu. Eu levo bronca da minha mulher quando quero sair por aí, eu sei que ela fica brava, mas pra mim isso é que nem uma terapia", finaliza o bem-humorado e simpático personagem do Óleo Grande.


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Os tropeiros levavam o gado até o centro comercial / Foto: Reprodução Tela Celito Medeiros /