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18/04/2025 19:38
HISTÓRIA

O homem por detrás do Messias

Por Alexandre Melo

 Publicado 18/04/2025 19:38  – Atualizado 18/04/2025 19:38

  • Jesus defendia a paz, tolerência e o perdão (Fotos: DIVULGAÇÃO)

Há séculos, historiadores e arqueólogos tentam entender quem foi Jesus do ponto de vista histórico e o que o separa do Cristo, apontado pela Igreja como o "Filho de Deus"

Um Jesus de carne e ossos, com desejos, aspirações e sonhos dos mortais. Julgado e sentenciado à morte por seus discursos revolucionários contra o domínio romano na Palestina. Assim poderia terminar a história do líder Jesus de Nazaré. Mas não foi bem assim. Por detrás do homem existe o Jesus religioso, o Filho de Deus. Ao longo do tempo, historiadores e arqueólogos têm se debruçado sobre as evidências conhecidas do Jesus histórico, que precisa ser separado do “Messias”, chamado por João Batista, segundo as Escrituras, de “O Cordeiro de Deus” enquanto o batizava nas águas do Rio Jordão.

O cenário político da época na Palestina era conturbado. E não é preciso voltar muito no tempo para entender que povos oprimidos tendem a produzir libertadores das mais variadas espécies: líderes religiosos, profetas, curandeiros e charlatões. Jesus seria mais um deles? Para os cristãos não. Aliás, comparar Jesus a outros líderes da época é blasfêmia. Mas, a verdade é que, durante a curta passagem de Jesus por Jerusalém, havia, no mínimo, uma dúzia de pessoas que se autoproclamavam “O Messias”, que significa “o consagrado”. De acordo com historiadores, o grande número de líderes revolucionários era perfeitamente compreensível, pois havia mais de dois séculos que os judeus eram dominados por povos invasores. Pela ordem cronológica: assírios, babilônios, persas, macedônios, selêucidas, ptolomeus e, por fim, os romanos (de 63 a.C a 476 d.C).

As pregações radicais incomodavam Roma, embora houvesse certa liberdade religiosa na Palestina. São João Batista, aquele que batizou Jesus nas águas do Jordão, era também profeta revolucionário; na época, talvez até mais popular que o próprio Jesus de Nazaré. Por isso, Salomé pediu de presente ao então governador da Galileia, Herodes Antipas, a cabeça do coitado do Batista numa bandeja. Pedido prontamente atendido. É nesse cenário opressor que, segundo os Evangelhos, Deus enviou seu filho à Terra para salvar a humanidade (“Se alguém ouvir as minhas palavras e não obedecer a elas, Eu não o julgo; porque Eu não vim para julgar o mundo, mas sim, para salvá-lo” – João 12:47).

A partir daí, para fins de pesquisa da vida do “Messias”, passam a existir dois Jesus, o religioso e o histórico. Todavia, o Jesus histórico jamais despertaria tanta curiosidade dos pesquisadores se o Jesus religioso não fosse tão admirado, sendo responsável por catequisar 2,64 bilhões ou 1/3 da população mundial por meio de ensinamentos que permanecem vivos e atuais 2.025 anos depois.

As palavras
Jesus, ao contrário de muitos líderes religiosos da sua época, não era defensor da luta armada contra os invasores romanos. As suas armas eram as palavras. Exímio orador, ele era da tolerância, da compreensão, do respeito aos pobres, da igualdade, da paz, do amor, do perdão (“Eu, porém, vos digo que não resistais ao mal; mas, se qualquer te bater na face direita, oferece-lhe também a outra” - Mateus 5:39).

Jesus, na essência, era um filósofo e há quem diga que tenha sido também psicólogo, pois entendia perfeitamente a mente e o espírito humano. Por isso, suas palavras impactaram tantos seguidores ao longo da história religiosa da humanidade mesmo diante da ameaça de outros quererem ocupar seu lugar (“E surgirão muitos falsos profetas e enganarão a muitos” – Mateus 24:11).

Para o professor de História da Arte, Iconografia e Simbologia, Alex Fernandes Bohrer, autor de “Jesus - Um breve roteiro histórico para curiosos”, é impossível negar a existência de Jesus. “Ele foi o personagem mais icônico e influente da história do mundo ocidental. Guerras foram travadas e o amor foi compartilhado em seu nome por séculos”. Porém, Bohrer é mais um daqueles que busca entender quem foi Jesus por detrás da teologia. “Os cristãos o conhecem como o Messias, mas a história revela um homem cercado de mistérios. Jesus foi um camponês pobre do primeiro século que andou pela palestina romana e incomodou políticos, reis, sacerdotes e pagãos”, diz o professor.

Os Evangelhos dão como local de nascimento de Jesus a cidade de Belém, pois essa era a terra onde também nasceu o rei Davi. Todavia, estudos indicam que Yesua (Jesus em hebraico) nasceu mesmo em Nazaré, na época um empobrecido e insignificante vilarejo de 500 habitantes com casas de chão batido e teto de palha, o que comprova que o nascimento de Jesus ocorreu num lugar bastante humilde, pois uma casa em Nazaré não era muito diferente de um estábulo com uma manjedoura (recipiente onde se coloca comida para vaca e cavalos) improvisada de berço.

A infância de Jesus é outro mistério (leia texto abaixo), assim como sua aparência. Esqueçam o homem de pele clara, longos cabelos e olhos azuis. Esse não é o filho de Deus. O Jesus de Nazaré era provavelmente um homem baixo, de pele morena e cabelos pretos. Para Bohrer, Jesus e Cristo são entes diferentes. “Não há contradições nesse jogo entre o histórico e o religioso. A própria Igreja Católica prega que ele foi humano e divino na mesma medida. Crer no Cristo, é, portanto, uma questão de fé; entender Jesus, por outro lado, é uma tarefa da história e da arqueologia”, sustenta o professor.

Sem pistas sobre a vida de Jesus antes dele ser Cristo

O mais incrível é que a passagem pela Terra do homem mais popular e de maior credibilidade da humanidade resume-se a fragmentos. O livro mais traduzido e mais lido do mundo, a Bíblia Sagrada, dedica metade das suas páginas a Jesus de Nazaré, porém, simplesmente ignora 26 dos seus 33 anos de vida. Existe apenas uma breve citação do jovem Jesus, no Evangelho de Lucas, em que o menino teria se perdido durante uma viagem da família a Jerusalém por ocasião da Páscoa.

Jesus teria sido encontrado, por seus pais, em um templo três dias depois. Estava no colo de sacerdotes a ouvi-lo e a fazer-lhes perguntas. Fora esse episódio, a vida de Jesus até o seu surgimento à beira do Rio Jordão, aos 33 anos idade, é um completo mistério, o que dá margens para várias interpretações, lendas e até absurdos, como desacreditar a paternidade de José e Maria.

Esse hiato na vida do principal personagem da história religiosa mundial levanta indagações: Por que Jesus omitiu seu passado aos seus seguidores? E se contou algo, por que os apóstolos preferiram não revelar em seus Evangelhos? Sem muitas pistas sobre a vida de Jesus antes de ser ele Cristo, historiadores e arqueólogos se debruçaram sobre o cenário político e econômico da época para tentar reconstituir como teria sido a vida de um líder religioso judeu, deixando de lado a teologia e a fé.

As divergências começam já no ano de nascimento de Jesus. Segundo os pesquisadores, ele veio ao mundo provavelmente entre os anos 6 e 4 a.C, ou seja antes do ano 1 do calendário Cristão, isto porque o calendário era bem diferente do atual, as pessoas não contavam a passagem de tempo por meio da indicação do ano. Portanto, Jesus, quando crucificado, se aproximava dos 40 anos de idade pelo calendário da época.

Embora não houvesse nenhuma restrição para que um líder religioso judeu se relacionasse com mulheres, os historiadores ainda não conseguiram provar se entre as práticas de Jesus estaria o celibato. Em contrapartida, afirmar que o relacionamento com Maria Madalena, uma das figuras mais enigmáticas entre os seguidores de Jesus, foi além da simples crença nas palavras do Mestre, pode ser encarada como mera especulação. Pela descrição bíblica, Maria Madalena foi uma das mulheres curadas por Jesus de espíritos malignos e doenças, conforme descrito em Lucas 8:1,2.

Milagres somente podem ser entendidos do ponto de vista religioso

Jesus não é uma ficção, é realidade. Os milagres a ele atribuídos aconteceram por ser o verdadeiro filho de Deus e paramos por aí. Para a ciência, a maioria teria sido impossível de acontecer. Uma pessoa não pode voltar à vida quatro dias depois de sepultada; não se pode multiplicar peixes e pães, transformar água em vinho e tampouco fazer cego voltar a enxergar. Não deixando de citar o maior de todos os milagres, que foi a própria ressurreição. Para os teólogos, no entanto, negar os milagres de Jesus é negar a própria existência do filho de Deus.

O padre espanhol Torres Queiruga, em seu livro “Repensar a ressurreição”, afirma que não perderia a fé caso encontrasse o cadáver de Jesus. Para ele, a ressurreição é uma fantasia, um símbolo, mas não uma realidade. “Deus não está sujeito às leis que criou. Ele está acima e fora de qualquer lei da natureza”. O julgamento e crucificação é outro capítulo que levanta dúvidas. Para os historiadores, não haveria nenhuma razão para Jesus não ser condenado sumariamente por Pôncio Pilatos, mas as Escrituras, única fonte descritivas do processo, contam que o governador teria tentado absolver Jesus do crime de blasfêmia por duas vezes, mas acabou voltando atrás depois de ser vaiado pelo povo. Em outro momento, teria Pilatos colocado nas mãos do povo a decisão entre Jesus e Barrabás.

Pilatos ainda teria tentado transferir a palavra final para o rei Herodes, porém, este negou-se a julgar Jesus. Os pesquisadores dizem que as práticas romanas de julgamento na Palestina eram bem diferentes das contadas na Bíblia. Jesus pode ter sido condenado à morte sem julgamento, pois era tão comum as pessoas se auto proclamarem o “Messias”, que condená-las à morte também virou prática corriqueira na Palestina da época.

A passagem do julgamento no Novo Testamento, conforme os historiadores, foi escrita entre 40 e 80 anos depois da morte de Jesus, com o objetivo de acentuar a cisão entre judeus e cristãos. Condenado, Jesus só teria uma pena: a crucificação, que era bastante comum na época. Para se ter uma ideia, no ano que Jesus nasceu cerca de 2 mil pessoas foram mortas por meio deste método.

Três dias depois de morrer na cruz, Jesus ressuscitou dando início ao maior relato de fé até então da humanidade. Nascia o Cristianismo, que viria a ganhar milhares de seguidores já nos primeiros anos. Em 380 d.C, o imperador Teodósio I torna o Cristianismo a religião oficial de Roma. Mais de dois mil anos depois, os enigmas do Jesus religioso e do Jesus histórico permanecem, porém, a mensagem do Jesus que veio para pregar o amor, a paz e salvar a humanidade continua mais clara e presente na vida dos cristãos e renovada a cada Sexta-Feira Santa, quando lembramos que o sacrifício não foi em vão, embora a morte não seja um ato de salvação, pois o que salva de fato é a vida.

  • A enigmática Madalena (DIVULGAÇÃO)

  • A crucificação era bastante comum na época de Jesus (DIVULGAÇÃO)

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