Salésio e a paixão pelos animais
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Os animais são a grande paixão de Salésio (Fotos: Daniel Nogueira)
De carroceiro a tropeiro, a bela história de vida de um dos fundadores do CTG Coração do Vale
Salésio Conceição é um nome forte na história de Gaspar e de Santa Catarina. Aos 73 anos, é um exemplo vivo de trabalho árduo, dedicação à família e amor pelos animais e as tradições gaúchas. Na parede de casa, homenagens recebidas dão a dimensão exata da trajetória desse gasparense que não dispensa uma boa prosa.

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Salésio e Dona Glória: "Tive sorte casar com dona Glória" (Fotos: Daniel Nogueira)
Salésio, ao contrário, não cresceu no ambiente agrícola. O pai, dono de picador de lenha e criador de cavalos e gado, morreu quando ele tinha 13 anos. A mãe, então com 35 anos, decidiu que o filho, aos 14 anos, iria trabalhar na Círculo. Foi chamado, mas bateu pé, chorou e acabou não sendo admitido na fábrica de linhas, como era chamada a indústria gasparense. A paixão sempre foi pelos animais, por isso Salésio virou carroceiro, profissão que o acompanhou por mais de duas décadas. Ele era um dos 14 carroceiros de Gaspar. Mais tarde comprou caminhões e virou fretista.
A Covid-19, que o deixou dois meses hospitalizado, sendo a metade entubado, levou parte da sua memória, porém, aos poucos, as lembranças reaparecem e a cena da carroça puxando madeira do mato surge nítida na frente do ex-freteiro. E boas histórias não faltam no cardápio de conversa com esse simpático morador do Poço Grande, casado há mais de 50 anos com Glória, com quem teve três filhos. “Foi sorte ter casado com a dona Glória, eu me aquietei”, admite diante o aceno afirmativo da esposa que de longe acompanhava a entrevista enquanto preparava o almoço.
A carroça transportava de tudo, desde laranjas, bananas, peixes, móveis, utensílios domésticos até mulheres grávidas. Com orgulho, Salésio diz nunca ter falhado um frete, motivo pelo qual o seu preço era o mais caro da cidade, mas a entrega era garantida, afinal, o companheiro inseparável das longas horas de trabalho era um puro sangue, que atendia pelo nome de Dourado, com fama de rapidez e confiança entre a clientela.

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O carroção hoje apenas decora a propriedade, no bairro Poço Grande (Fotos: Daniel Nogueira)
Dona Maria, uma conhecida parteira da cidade, quando encaminhava as grávidas para o Hospital Santo Antônio, em Blumenau, para parto cesariana, perguntava qual o cavalo iria puxar a carroça. “Se fosse o Dourado, ela dizia para a futura mãe que podia ir sem medo”, conta Salésio enquanto abre um enorme sorriso.
Mas a vida de Salésio não se resume ao frete até porque ele admite que nunca ganhou dinheiro com a atividade. “Eu ganhei dinheiro vendendo a madeira que sobrava no mato, que ninguém queria, eu puxava e revendia”, revela.
A visão para negócios o levou para outra atividade: o comércio de animais, unindo o útil ao agradável. “Comprava, amansava, domava e vendia cavalos”, explica Salésio, que foi um dos primeiros tropeiros de Gaspar. Cavalgava até Lages, debaixo de chuva, frio ou do sol escaldante, numa viagem que podia levar até 15 dias, para comprar cavalos e revender em Gaspar. Por vezes, o destino era o Paraná. A fama de bom gineteador atravessou fronteiras. Com o comércio de animais, ele adquiriu terras.
“Eu sempre fui muito metido”, admite Salésio. Foi assim que ele entrou de corpo e alma no tradicionalismo, ficando conhecido por liderar movimentos como o TGSC (Tradicionalismo Gaúcho de Santa Catarina) e o MTG (Movimento Tradicionalista Gaúcho), fundando diversos CTGs no estado. “Pegamos o MTG com 12 regionais e entregamos com 16”, revela.
Salésio foi um dos 13 fundadores do CTG Coração do Vale, em Gaspar, onde foi Patrão por 16 anos e se tornou um ícone da cultura gaúcha na região. Seus anos à frente do Coração do Vale foram marcados por desafios, competições intensas e até rivalidades, mas ele sempre se manteve firme em sua missão de preservar e fortalecer as tradições. “Mas não fizemos nada sozinho, o povo de Gaspar nos deu muito apoio”, faz questão de destacar.

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A criação de ovelhas é um dos passatempos do ex-tropeiro (Fotos: Daniel Nogueira)
Salésio foi o primeiro a andar de bombacha pelas ruas de Gaspar, assim como também foi um dos primeiros a ter cavalo para montaria na cidade. Ele chegou a ter 75 cavalos para montaria. “Eu trouxe a tradição gaúcha para o Vale do Itajaí”, orgulha-se. Ele também foi um dos fundadores da Apae de Gaspar e da Oktoberfest de Blumenau, sendo por 32 anos o coordenador de toda a parte que envolvia os animais nos desfiles da festa alemã.
Mesmo com alguns problemas de saúde, consequência de uma queda de um cavalo em 2016, Salésio ainda mantém a rotina de criador e comerciante de animais, embora admita que o mercado está em baixa. Na propriedade, ele mantém 20 animais, além de uma criação de ovelhas. Ele só não monta mais por orientação médica, mas acorda às 6 horas da manhã e vai para o campo, junto com seus animais, que é o lugar onde se sente mais à vontade. “Nunca maltratei um animal, muitas pessoas não entendem o que é um animal. O animal veio para trabalhar pelo homem, não para ser maltratado”, finaliza.
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Os animais são a grande paixão de Salésio (Daniel Nogueira)
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As homenagens e o reconhecimento estão na parede de casa (Daniel Nogueira)
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Salésio e Dona Glória: "Tive sorte casar com dona Glória" (Daniel Nogueira)
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A criação de ovelhas é um dos passatempos do ex-tropeiro (Daniel Nogueira)
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Salésio fala com orgulho do trabalho à frente do MTG - Movimento Tradicionalista Gaúcho (Daniel Nogueira)
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O carroção hoje apenas decora a propriedade, no bairro Poço Grande (Daniel Nogueira)
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