Discurso descabido

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Era uma vez uma academia de oratória. Parece historinha infantil. Mas esta narrativa é pra lá de adulta (melhor caberia a palavra adúltera, a que trai). Não vou citar nomes (apenas um, de político) a fim de evitar constrangimentos.

Uma de suas normas principais fixava:  "Os temas são de livre escolha, excluídos os polêmicos de partidarismo político ou sectarismo religioso." Também impunha como obrigação: "O discurso será visto pelo professor de Português e entregue ao crítico uma semana antes de pronunciado."
Certo dia, numa das sessões semanais, o fundador e diretor viajara. Eu, sozinho, orientava, nomeado por ele para ser diretor, considerava-me apenas diretor-adjunto. Afinal, quem criara a entidade era ele. Eu apenas era sócio-fundador e professor de Português das turmas do então curso científico.O orador, bem-falante e elegante, de terno e gravata, assim que principiou o seu pronunciamento, pôs-se a desancar o governo do Estado (na época, o nomeado Jorge Konder Bornhausen).  Cassei-lhe a palavra de imediato, mandando-o descer da tribuna.

A turma, conhecedora do teor, vaiou-me, o que era proibido, mas sabem como é a juventude, a de ontem e a de hoje. Reagem, por puro instituto, como selvagens fossem. Dei ao orador um sonoro zero, e, depois, sozinhos no pátio, perguntei-lhe quem o tinha induzido a produzir o proibido tema.


Recusou-se a dizer-me. Dia seguinte, fui chamado à direção do educandário e me perguntaram se sabia do teor. Disse que não. O aluno havia me entregue para correção um outro tema. O petróleo, por exemplo.
Mas o ocorrido foi longe, como verão. Afinal, eram alunos considerados de elite, e suas famílias tradicionais eram íntimas dos governantes. No final do ano, o aluno procurou-me e reconheceu seu erro. Revelou o nome do professor que o levara ao desatino: um peemedebista roxo, hoje petista idem. E o mais grave: prejudicara seu pai. Um industrial que necessitara favores do Estado e os teve negados. Muito antes, prometera ao autor do descabido discurso nova chance. Aproveitou e, no final do ano, recuperou a nota negativa. Moral da história: saiu da trilha do bem, envereda-se pela do mal. Mas até hoje, recordo-me com tristeza do episódio, em que me senti um tolo inocente útil.