No tempo dos engenhos de farinha
Há pouco mais de 40 anos, a principal atividade agrícola no Óleo Grande era o plantio de mandioca e a produção farinha
Há pouco mais de 40 anos, a principal atividade agrícola no Óleo Grande era o plantio de mandioca e a produção farinha
Durante muitos anos, o bairro Óleo Grande foi conhecido como a terra dos engenhos de farinha. Praticamente em cada propriedade rural do bairro, havia um. Cerca de 50 famílias de agricultores viviam do plantio da mandioca ou aipim, como também se chama o tubérculo no sul do País. A farinha feita nos engenhos, de maneira artesanal, abastecia o comércio da região, inclusive das cidades vizinhas de Brusque e Blumenau.
Os antigos moradores contam que o plantio e a produção davam muito trabalho e pouco lucro. A mandioca não era valorizada e, com o tempo, o seu consumo diminuiu. A conseqüência foi uma crise que levou muitos farinheiros a desistirem da atividade.
O casal Luís e Teresa Roncáglio plantaram mandioca e produziram farinha em seu engenho enquanto seus braços suportaram o duro trabalho. Ambos foram criados em meio as roças de mandioca. Nunca tiveram ensinamento teórico de como fazer farinha. Desde cedo, aprenderam na prática, no dia-a-dia, ao lado dos pais, olhando e participando. Casaram e continuaram na atividade, mesmo vendo o lucro minguar a cada safra.
Luís conta que vendeu sacos de farinha de 45kg a R$ 1,00. A família sentiu o peso das dificuldades. De produto de venda, a farinha se tornou, por vezes, o único alimento à mesa. “Comíamos como pirão, era o que tínhamos em casa”, recorda Luís, que desde os oito anos de idade esteve metido na atividade e, por isso, fala com autoridade. “Uma plantação de mandioca exige tempo e cuidado, pois leva até dois anos para a colheita. Além disso, a apanha é feita uma vez por ano, preferencialmente no inverno”.
Teresa conta que era comum acordar às duas horas da madrugada e seguir até tarde da noite no engenho, enfrentando o frio e a fumaça da queima da farinha no tacho. A cada safra, a família plantava entre 15 e 16 mil pés de mandioca que, no ano seguinte, eram transformados em farinha.
Escambo
Parte da produção era negociada com uma fábrica de Brusque, numa forma de comércio tão antiga quanto a própria atividade moageira: o escambo. Luiz trocava a farinha por tecidos e utensílios domésticos. O restante seguia para cidades da região. A Prefeitura de Blumenau, na época, era a maior consumidora da famosa farinha produzida no Óleo Grande. Antônio Roncáglio, primo de Luís, tinha um engenho movido a água que chegava a produzir 700 sacas de farinha por ano. Mas, o maior deles, relembra Luís, pertencia a João Schwartz, tio de Teresa.
O processo evoluiu. A mandioca, antes raspada com facas, passou a ser limpa por um raspador. O boi, força que impulsionava os engenhos, deu lugar ao motor a combustível ou energia elétrica. Mas nem a tecnologia conseguiu impedir o fim da atividade farinheira no Óleo Grande. Cansados e com a crise batendo à porta, os Roncáglio abandonaram o cultivo, mesmo caminho de outros farinheiros.
Luís arrumou um emprego na Prefeitura de Gaspr e depois na Companhia Hering, de Blumenau. Desde então, nunca mais plantou mandioca e produziu farinha.
Antônio, por sua vez, não desistiu, mas diz que só cultiva e produz para consumo próprio. “Sinto saudades daquele tempo”, confessa. Há mais de 15 anos o Óleo Grande não ouve o barulho dos engenhos e o cheiro característico da torra da farinha nos tachos.
Mandioca e aipim são duas plantas diferentes
Muitas pessoas acreditam que mandioca é o nome dado pelos nordestinos para o aipim, e que, no fim das contas, é tudo a mesma coisa. Porém, existe uma grande diferença entre ambos. A mandioca é uma raiz venenosa que, se ingerida, produz uma intoxicação do organismo e pode levar até a morte. Ela só pode ser comida na forma de farinha, depois de passar pela limpeza, ser seca, moída e levada a altas temperaturas no forno próprio de engenho. Já o aipim pode servir de alimento após ser cozido em casa, sem causar nenhum problema.
Uma muda de aipim pode render almoço para muita gente. Antônio Roncáglio (foto ao lado) já tirou de sua horta um de mais de 2 quilos. Ele conta que, quando jovem, gostava de arrancar aipim nas terras do pai. “Eu enchia duas carradas de 1.300 quilos de aipim por dia”, revela. O pai ensinou-o a plantar e reaproveitar as mudas. “Basta tirar o aipim, após arrancá-lo da terra, e guardar a rama no mato, para proteger do inverno. No verão, se planta novamente e, dali a dois anos, se colhe mais aipim. A cada três corta-se a rama e plantasse até duas por cova”, explica o agricultor.
Memória preservada por ex-farinheiro
Aos 80 anos, Paulo Merlo guarda boas lembranças do período áureo dos engenhos de farinha no Óleo Grande. Entre elas o seu próprio engenho, que ele faz questão de manter intacto. As máquinas encontram-se no mesmo lugar, prontas para a retomada da produção. “Muitos encerram a atividade e venderam as peças dos engenhos para lojas de móveis rústicos. Eu preferi guardar as minhas”, explica o ex-farinheiro.
O engenho produzia de 400 a 500 sacas de farinha por ano. No período de colheita, entre junho e julho, ele e a esposa, Elvira, acordavam de madrugada e trabalhavam o dia inteiro fechando, em média, 15 sacas por dia. Às vezes, o casal chegava a encher dois caminhões. O produto abastecia os mercados de Itajaí, Gaspar e Brusque. Na fase das “vacas gordas”, a atividade era suficiente para manter a casa e criar os cinco filhos. Elvira conta que aproveitava um pouco da farinha para fazer bijus e tapiocas para a família.
Incêndio
O engenho ajudou Paulo a se reeguer depois de ter perdido sua casa e pertences em um incêndio de causas até hoje desconhecidas. “Nós havíamos ido para um baile, só ficaram as crianças. Graças a Deus, meus filhos conseguiram escapar”, relembra Elvira. Durante algum tempo, o engenho serviu de moradia para a família.
Depois de muitos anos dedicados à agricultura, Paulo adoeceu e não pôde mais trabalhar numa atividade que exige muita força braçal. Ele parou de plantar mandioca e desativou o engenho há 14 anos. Hoje, dedica-se a criar gado e cortar trato. Mesmo parado, o seu engenho é o único registro ainda de pé deste período histórico do Óleo Grande, e nada parece convencer o agricultor da ideia de não apagar o passado.
Pão de queijo
Receita à base de polvilho (fécula da mandioca)
Ingredientes
1 copo de óleo
½ quilo de polvilho azedo
1 xícara de queijo mineiro ralado (tem que ser bem curado)
4 ovos
Modo de preparo
Ferva o leite com o azeite e tire do fogo.
Coloque o polvilho numa tigela e escalde com a mistura fervente.
Acrescente os ovos um a um
Coloque o queijo, misture tudo muito bem e modele os pãezinhos
Coloque em forma untada e asse em forno quente até começar a corar levemente.
Fonte: www.abam.com.br
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