Para a psicologia é preciso vencer os estágios do luto

ALEXANDRE MELO
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Aos poucos Inajara de Lima, moradora do bairro Figueira, em Gaspar, vai tentando despojar do luto. Ela admite, no entanto, que não é fácil. Os últimos nove meses foram de uma mudança completa em sua vida. Ela perdeu o seu único filho, Kleyton Kaftor de Lima Santos, de 26 anos, em um acidente de moto na Estrada Geral do bairro Gaspar Alto. Inajara diz que suas mãos tremem e falar sobre a perda repentina do filho é algo inexplicável. “Mas, vou tentar”, encoraja-se. As palavras, porém, desaparecem e a tristeza toma conta. “Não é fácil entender que seu filho partiu antes de você, não vejo mais ele chegar me chamando de mãe, não recebo mais uma mensagem ou uma ligação, meus planos não são mais com ele, os sonhos dele se perderam junto com os meus, não sei exatamente para onde ir, me perdi ou morri com ele naquela cachoeira”.
As palavras de Inajara ilustram bem o sentimento que acompanha as pessoas diante da morte de alguém que era muito amado. Talvez pelo fato de a morte ser algo inesperado e inaceitável, a possibilidade da perda não costuma ser assim tão “amigável” na consciência das pessoas. O mais comum é o despreparo.
O Dia de Finados, nesta quinta-feira (2), faz essa dor se tornar ainda maior, pois revive-se os sentimentos de tristeza, perda e saudade. A ida aos cemitérios, como fazem milhares de pessoas, é uma forma de compensar essa ausência, o vazio que a morte causa a quem fica.
Limpar e ajeitar o túmulo pode ser um gesto para que jamais se quebre o vínculo com o ente querido. Inajara faz tudo para não perder esse elo. Ela mandou colocar sobre o túmulo de Kleyton, no cemitério do bairro Santa Terezinha, uma grama artificial. “Ele amava a natureza, por isso quis homenageá-lo colocando verde sobre o seu túmulo”, explica. A mãe conta que vai seguidamente ao cemitério e que, nesta quinta-feira, mais uma vez vai estar diante do túmulo do filho, pois é lá que se sente mais próxima dele, embora admita que algumas vezes o abatimento é grande. “É um lugar de muita dor, muito sofrimento porque sei que ali está o corpo do meu filho, mas seu espírito descansa e não está mais ali”.
Uma pesquisa focada em como os brasileiros lidam com a morte mostrou que, embora 79,5% entendam que a morte é um fenômeno natural - ou ainda, 81,2% acreditam que a morte é a única certeza que temos -, 68% dos entrevistados dizem que nunca estarão preparados para lidar com a finitude. O levantamento feito pelo Sindicato dos Cemitérios e Crematórios Particulares do Brasil revelou ainda que 75% dos entrevistados têm muito medo de perder alguém próximo e 73,7% evitam até mesmo falar no assunto. “Falar sobre o tema pode sim reavivar sentimentos difíceis de lidar. As pessoas podem evitar falar sobre a morte como uma forma de proteger suas próprias emoções”, afirma a professora curso de Psicologia da UniSociesc, Gislaine Martins. No entanto, segundo ela, romper esse tabu e abrir o diálogo pode ser benéfico e ajudar as pessoas a lidarem melhor com a perda; planejar antecipadamente questões relacionadas à morte; reduzir o estigma e permitir discussões sobre questões importantes, como testamentos e cuidados paliativos. “As pessoas têm dificuldade em falar sobre a morte por uma série de razões complexas e variadas. Existem questões culturais e religiosas envolvidas. E na filosofia é um tema recorrente, pois a morte acaba sendo a finitude dos projetos, dos sonhos, e a realidade de que temos um tempo limitado de existência”, reflete.
Para a também psicóloga Akemi Higash, morte e luto ainda são tabus. “Somos pouco incentivados a refletir sobre o tema e, na maioria das vezes em que o assunto é tratado, ocorre em ocasiões de perdas de entes queridos, conhecidos ou até pessoas famosas. Falar sobre o luto, sobre a dor da perda envolve questões como o meio social, cultural, valores, crenças familiares, costumes religiosos, entre outros. É considerado um processo de caráter subjetivo pois cada pessoa vivencia a dor de uma maneira diferente, em seu tempo particular”, pondera.

 
Após a perda, o luto se dá em estágios (leia quadro ao lado) que vai desde a negação até a aceitação. É preciso respeitar a reação de cada pessoa, pois o luto, explica Akemi, não é um processo linear. “Algumas pessoas vão sentir necessidade de chorar, outras não. Algumas irão sentir necessidade de ficarem um tempo sozinhas, outras precisarão de uma grande rede de apoio. Tudo é muito singular quando se trata do sofrimento”. A psicóloga observa que algumas frases e atitudes podem ser incômodas em determinados estágios do luto. “A expressão ‘Você tem que ser forte’ pode ser dita num momento inoportuno. Talvez a pessoa não consiga ou não queira ser forte naquele momento, e tudo bem ela se sentir fraca”. Outra expressão que se deve ter cuidado é “Bola pra frente que já passou”. “Pode ser que a pessoa esteja bem e num momento volte a sentir-se triste e sensível”, observa a psicóloga. Akemi explica que a psicologia cumpre o papel de fornecer um acompanhamento emocional e psicológico adequado para lidar com o processo de morte, seja o seu próprio ou de um ente querido. Trata-se de uma oportunidade para compreender a perda e reconstruir a vida a partir disso, tendo novas perspectivas juntamente de seus sentidos. “O dia de finados pode ser encarado como uma oportunidade de refletir sobre o tema e trazer novos significados para dentro de si”, finaliza.



“Ele amava a natureza, por isso quis homenageá-lo colocando verde sobre o seu túmulo”



Os estágios do luto

Negação: no início, as pessoas podem negar a realidade da perda, sentindo-se como se a pessoa ou coisa perdida ainda estivesse presente. 

Raiva: os sentimentos de raiva podem surgir como uma reação à injustiça percebida da perda ou à impotência em lidar com ela.

Negociação: pode haver tentativas de fazer acordos para reverter a perda ou trazer a pessoa de volta de alguma forma, muitas vezes em um contexto religioso ou espiritual.

Tristeza: a tristeza profunda e a dor são comuns no luto. Esses sentimentos podem ser acompanhados de choro, apatia e solidão.

Aceitação: eventualmente, a pessoa passa a aceitar a realidade da perda e começa a encontrar maneiras de se adaptar a uma vida sem o ente querido ou a coisa perdida.


Morte física e não espiritual

A Doutrina Espírita acredita que a morte não é totalmente um fim. O que finda é o corpo físico. Segundo Allan Kardec, que pesquisou e decodificou o espiritismo, o ser humano nasce, morre, renasce ainda para progredir sem cessar, tal é a Lei!. “Para o espiritismo, a morte não é o fim da vida, porque somente o corpo físico morre, o espírito/mente/consciência continuam a viver nas dimensões espirituais, para projetar um novo retorno a terra, resgatar seus débitos do passado e se purificar para um futuro melhor”, diz Maria Ignez Figueiredo, mentora e professora que há muitos anos dirige o Centro Espírita Luz do Evangelho, no Balneário Piçarras, no Litoral do Estado.

“É através das reencarnações sucessivas que o Espírito evolui para alcançar dimensões mais elevadas, mais puras”, acrescenta a mentora. O luto, segue explicando, é um momento que precisa ser respeitado. “Inicialmente é inevitável que a primeira fase seja sempre de muita dor. Aos poucos, essa dor aguda vai se transformando em saudade. Uma saudade que ficará para a eternidade. Jamais, aquele corpo que morreu voltará! O Espírito que antes habitava aquele corpo sim, esse, após passar um tempo se renovando e se purificando, volta em um novo corpo, para viver fisicamente mais uma vez, e se tornar verdadeira luz”.

O importante, de acordo com Maria Ignez, é orar por essas pessoas que partiram, e sempre entregar os seus espíritos nas mãos de Deus, para que tenham paz. “Faço neste momento, uma referência de amor e respeito, por todos os que já partiram, e a todos os ficaram e que ainda sentem muita saudade”, conclui.

Ciclo

Vencidos os estágios do luto, saudades permanecerão para sempre, mas devem coexistir com uma sensação de “leve tristeza”, e não de arrebatamento. Se as saudades aparecerem de um jeito avassalador é porque muito provavelmente o ciclo do luto não se fechou. Aproveite o Dia de Finados para fazer essa reflexão: fechar o ciclo do luto e honrar a pessoa que se foi com amor, boas lembranças e emoções positivas.

A pesquisa mostra ainda que 82,4% das pessoas relacionam a morte com um grande sofrimento e acreditam que não há nada mais dolorido que a perda de uma pessoa próxima. A professora Gislane ressalta a importância de vivenciar o luto. “O luto é uma resposta emocional à perda de alguém ou de algo significativo em nossas vidas. O luto é um processo natural e complexo. Está ligado a perdas, e essas perdas não acontecem apenas na morte de alguém próximo, mas em diversas situações da vida em que ocorrem mudanças importantes. O final de um relacionamento, aposentadoria, mudança de cidade, entre tantas outras situações”, cita. O importante, segundo ela, é entender que o luto é uma parte normal do processo de perda e que as pessoas podem encontrar maneiras de viver significativamente após a perda de alguém ou algo importante em suas vidas.