Justiça começa a determinar descontos, enquanto Procons orientam para a renegociação

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Retorno das aulas presenciais está previsto para o mês de agosto / FOTO ARQUIVO JORNAL METAS

Decisão no começo desta semana, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), abre um debate que deve entrar 2021: o pagamento das mensalidades escolares. Embora, as escolas e universidades privadas estejam repassando atividades online para os estudantes há um entendimento de que essa metodologia não substitui a prestação do serviço presencial. O desembargador Saul Steil, em seu despacho, determinou que as instituições de ensino infantil de Florianópolis apliquem 15% de desconto sobre as mensalidades de forma linear, a partir da próxima parcela, caso já não tenham oferecido descontos maiores em favor dos consumidores. A pena em caso de descumprimento é de R$ 1 mil por aluno e por mês.

MP e Defensoria, autores da ação, entendem haver desequilíbrio nos contratos de prestação de serviços educacionais das instituições em decorrência da pandemia do novo coronavírus, pois houve modificação na forma da prestação do serviço. Conforme exposto, as escolas tiveram redução nas despesas, enquanto os pais dos alunos passaram a ter mais gastos com os filhos que ficam agora 24 horas por dia em casa e, mesmo assim, continuaram pagando integralmente a mensalidade. A decisão é válida apenas para as instituições que atendem a educação infantil, porém, abre precedente para que outros níveis de ensino busquem descontos nas mensalidades no período em que não ocorrerem aulas presenciais. É o caso dos estudantes universitários. Nesta semana, a primeira ação, no âmbito estadual, foi ajuizada junto à Comarca de Blumenau. A autoria é da União Catarinense dos Estudantes (UCE), que contratou o advogado Flávio Busatto Paganini, juntamente com o estudante de Direito, o gasparense João Pedro Sansão. Na ação civil pública há ainda um pedido de liminar para que o desconto seja dado pelas universidades já a partir da próxima mensalidade e retroativo ao início da pandemia; neste caso, a proposta de devolução da diferença nas mensalidades já pagas será em parcelas. A petição da UCE segue na mesma linha de defesa do MP e Defensoria, ou seja, as aulas virtuais se configuram em outro serviço. Além desse argumento jurídico, o Código Civil determina que, na existência de um flagrante desequilíbrio financeiro, deve haver a revisão dos contratos. "Vale ressaltar que o ensino EAD e as aulas remotas não possuem a mesma efetividade na aplicação do ensino e, justamente por isso, são modalidades mais baratas no "mercado educacional", sustenta o advogado Paganini. Além disso, o entendimento da UCE é de que não cabe aos estudantes manterem o pagamento integral da mensalidade, considerando que não estão usufruindo da estrutura física da instituição de ensino, tais como luz elétrica, bebedouros, banheiros, ar-condicionado e a rede wi-fi. Há, ainda, outros argumentos que constam na petição da UCE, que são aulas à distância para estudantes com deficiências auditiva e visual, pois, de acordo com a entidade, as plataformas de EAD disponibilizadas, na sua maioria, não atendem a este público. Outro questionamento é com relação à qualidade da internet que se tem em cada residência. "Os estudantes contrataram o serviço presencial e por conta deste fato, não se pode exigir desses estudantes que tenham um serviço de internet compatível com o novo modelo, portanto, muitos dos estudantes estão tendo dificuldade de acessar as aulas ao vivo, e assim estão recebendo faltas em dias que o acesso não foi possível por conta da falta de uma internet que tenha capacidade de acompanhar as aulas remotas", afirma o Paganini.

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Na proposta da UCE, a Univali teria o desconto atrelado à forma como se adaptou à pandemia/ FOTO DIVULGAÇÃO

De acordo com a proposta da UCE, o desconto das mensalidades deve ser escalonado, linear e com regras distintas para universidades privadas (Sistema Ampesc) e comunitárias (Sistema Acafe). No caso das universidades particulares, o desconto terá como base o número de estudantes (não incluindo aqueles que cursam EAD). Neste caso, para uma universidade com até 2 mil alunos, o desconto nas mensalidades seria de 15%; de 2001 a 10 mil de 25%; acima de 10 mil de 35%. Já para as universidades comunitárias, que somam 16 em todo o Estado, a proposta é um pouco mais complexa e considera a regra da proporcionalidade, tendo como parâmetro a realidade como cada instituição se adaptou na prestação do serviço online durante a pandemia. Neste caso, avaliam-se a disponibilidade de ferramentas online, número de alunos para aulas remotas, carga horária e até se as aulas são em live (ao vivo) ou gravadas. O desconto pedido na ação para as mensalidades varia de 15% a 35%.

Embora muitas escolas já estejam aplicando descontos nas mensalidades em todos os níveis de ensino, o entendimento é de que ainda é pouco. No começo da pandemia, em março, a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, divulgou nota técnica recomendando que os consumidores evitem cancelar ou pedir descontos ou reembolso total ou parcial em mensalidades. A Senacon defende que descontos ou a simples suspensão do pagamento poderá provocar desarranjo financeiro nas escolas, uma vez que as instituições já fizeram sua programação anual e as alterações orçamentárias poderiam impactar despesas como o pagamento de salários de professores e aluguel, entre outras. A Secretaria lembra ainda que ocorrendo um fato imprevisível e inevitável, após a colocação do produto ou serviço no mercado de consumo, haveria a quebra do nexo casual, e, portanto, não se pode responsabilizar o fornecedor por evento que não tinha como prevê-lo ou evitá-lo; neste caso, a pandemia do novo coronavírus que suspendeu as aulas presenciais. Para o pedido de reembolso parcial, fora dessas hipóteses, a secretaria propõe que se esgotem todas as tentativas de negociação antes do rompimento contratual, visando minimizar ou cancelar eventuais multas. A nota diz ainda que a medida também deve ter por objetivo "estabelecer uma sistemática de devolução de valores pela instituição de ensino, quando cabível, de forma parcelada, evitando-se um ônus que, no presente momento, pode comprometer a capacidade econômico-financeira das empresas".

Procons

Essa é também a orientação dos Procons de todo o país quando procurados pelos consumidores para reclamar da cobrança integral das mensalidade. Thiago Felippe Zardo Machado, superintendente do Procon de Gaspar, lembra que existe uma relação de prestação de serviço com obrigações de ambas as partes. "As escolas se preparam o ano todo para prestar esse serviço, não existe um culpado, os dois lados são vítimas", observa. Na opinião do superintendente, antes de tudo é preciso resolver a questão do ano letivo, isto é, definir um novo calendário e como as aulas presenciais serão recuperadas. "Hoje, as aulas online são a melhor opção, embora não seja aquilo que foi contratado", acrescenta. Thiago vê duas questões bem claras que exigem melhor avaliação e bom senso: a pedagógica, que é o pai ou mãe ter que monitorar as aulas online dos filhos em uma residência onde se tem apenas um computador para três estudantes e a internet é fraca, por exemplo, e a econômica onde muitas famílias, por falta de renda, vão acabar levando seus filhos para a escola pública. O superintendente entende que, no caso das universidades, o aspecto pedagógico pode ser perfeitamente cumprido, devendo entregar aos estudantes apenas os custos variáveis não realizáveis, como por exemplo o gasto com energia elétrica. "Sem dúvida, mais à frente haverá um saldo a compensar", reforça. Thiago entende que os descontos nas mensalidades, neste momento, poderá inviabilizar muitas escolas, e quando houver o retorno à normalidade pode haver uma excessiva demanda em relação à oferta, o que pode encarecer bastante o custo do ensino particular em Santa Catarina ou mesmo ocorrer uma queda sensível na qualidade do ensino ofertado.

Madre Lampel

Em Gaspar, a maior escola particular, a Madre Francisca Lampel, segundo a vice-diretora, Irmã Vanessa Garrido, já vem negociando com as famílias e dando descontos nas mensalidades desde o primeiro mês da pandemia. De acordo com a vice-diretora, a escola vem seguindo orientação do sindicato da categoria. "Estamos conversando com as famílias, conhecendo a situação de cada uma delas e fechando acordos em função das necessidades. A escola sabe que o momento é difícil, por isso precisamos ajudar as famílias, mas também pensar nos dois lados, para que quando tudo volte ao normal a escola esteja à disposição dos nossos alunos", acentua..

Colégio Uni

Fábio Leal, gerente administrativo do Colégio Uni, também em Gaspar, explica que a escola já vinha oferecendo descontos nas mensalidades. Hoje, segundo ele, é muito grande o número de alunos do colégio que estudam com mensalidade de valor diferenciado, por isso dar um desconto linear, neste momento, é inviável. Mesmo assim, a escola vem se colocando à disposição dos pais para a análise de cada caso, verificando a forma como cada família foi afetada pela crise econômica do coronavírus. Segundo ele, o índice de inadimplência aumentou, o que obrigou a escola a recorrer a empréstimos bancários para poder honrar compromissos como os salários dos professores. A escola adotou ainda algumas medidas emergenciais, como por exemplo manter o desconto para as mensalidades mesmo que ocorra atraso no pagamento, pois, de acordo com a regra da escola, quem tem algum tipo de desconto na mensalidade precisa pagar em dia. O gerente também chama atenção para o fato de que os investimentos que a escola vai precisar fazer quando os alunos retornarem às aulas presenciais será bem superior à economia que hoje se tem com água e luz, por exemplo. "Alguns alunos não poderão retornar às aulas presenciais por estarem em grupo de risco, vamos precisar criar uma estrutura online, com internet mais forte, para atender a estes alunos", finaliza Fábio.