
No mês das mulheres, o exemplo de conquistas vem do campo

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Roseleia Schnaider, rizicultora (Fotos: Daniel Nogueira/JM)
No Dia Internacional da Mulher, a história de uma rizicultora catarinense mostra a luta e a paixão das trabalhadoras rurais pela terra
O Dia Internacional da Mulher, celebrado em 8 de março, é mais do que uma data no calendário. É um marco de lutas, conquistas e resistências. A data foi instituida pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 1975, com o objetivo de combater as desigualdades e discriminação de gênero em todo mundo.
Durante séculos, mulheres enfrentaram desafios imensos para conquistar direitos básicos, como votar, trabalhar fora de casa sem a permissão do marido e até mesmo frequentar escolas. No Brasil, segundo dados do 4º semestre de 2023 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicilios Contínua (Pnad Contínua), do IBGE, o país abriga mais de 90 milhões de mulheres acima dos 14 anos e cerca de 47 milhões fazem parte da força de trabalho. De acordo com a pesquisa, Santa Catarina é o estado com menos força de trabalho feminino do Brasil, com apenas 17,7%. Em comparação, o estado que lidera o ranking é a Bahia, com 66,5%.
O caminho da mulher para conquistar o seu espaço foi e é até hoje pavimentado com suor e coragem, permitindo que, hoje, a presença feminina esteja consolidada em diversas áreas e diversos direitos fossem garantidos.
Claro que ainda existe muita desigualdade. Uma das principais é na questão de remuneração. Segundo a pesquisa da Pnad Contínua, 39,9% das mulheres recebem até um salário mínimo. Além disso, enquanto os homens recebem em média R$3.233 por mês, as mulheres recebem em média R$2.562. Inclusive, 27% das mulheres em cargos de direção ou gerência recebem menos que os homens que ocupam os mesmos cargos. Estes dados mostram que o caminho para alcançar a igualdade ainda é longo. Mas e no campo? Como é a realidade das mulheres que, geração após geração, fazem da terra seu sustento e vocação?
Para entender o avanço do universo feminino sobre áreas socialmente dominadas por homens, fomos conhecer a história da gasparense Roseleia Schnaider, uma rizicultora de 55 anos que no bairro Barra de Luiz Alves, em Ilhota. Sua relação com a terra não começou por escolha, mas por necessidade. Em uma época em que ajudar a família no campo estava acima dos estudos, Roseleia desenvolveu uma relação íntima com a terra. “Eu e meu irmão dirigimos as máquinas, mas geralmente sou mais eu que fico nessa função. Às vezes ficamos até de noite, para aproveitar o tempo sem chuva”, conta.
O tempo passou e o campo continuou sendo seu destino. Casou-se, não teve filhos, e enquanto muitos foram deixando a agricultura para buscar novas oportunidades em outras áreas, Rose, como é conhecida, não arredou os pés da lavoura. Não por falta de opção, mas porque aprendeu a amar a terra que tanto exigiu dela. “Já tentei trabalhar fora, mexer com comércio, mas não tem jeito. Meu coração pertence ao campo. Aqui, mesmo com todas as dificuldades, é onde me sinto viva”, conta com um sorriso orgulhoso.
A história de Rose é também a de uma luta silenciosa. Quando começou a trabalhar na lavoura, tudo era feito manualmente. As enxadas golpeavam a terra dura, os cavalos ajudavam a carregar os feixes de arroz e a colheita era uma atividade que demandava esforço físico extremo, deixando marcas na pele dos agricultores. Com o tempo, vieram as máquinas, e com elas, uma nova barreira para as mulheres: o preconceito. “Muita gente ainda torce o nariz quando vê uma mulher operando uma colheitadeira. Mas meu pai me ensinou, e quando vi, já estava no comando e vi que era uma tarefa fácil. Hoje, é uma das coisas que mais gosto de fazer”, diz, com brilho nos olhos.
Atualmente, Rose e seu irmão cuidam da propriedade de 52 hectares, às margens da Rodovia Jorge Lacerda (SC-412) que ainda pertence aos pais, onde cultivam arroz irrigado. Entre uma safra e outra, eles aproveitam para plantar milho, garantindo que a terra nunca fique parada. A rotina começa cedo, muitas vezes antes do amanhecer, e só termina quando a última máquina é desligada. “Tem dias que a gente colhe até à noite, porque precisamos aproveitar o tempo sem chuva. O trabalho nunca acaba, mas eu não saberia viver de outro jeito”, admite Rose.
Ser mulher no campo é um desafio constante. Segundo o IBGE, as mulheres representam 40% da força de trabalho na agricultura, mas ainda são minoria na gestão de propriedades e no uso de máquinas agrícolas. Rose, no entanto, nunca se deixou intimidar pelos números ou pelos olhares de estranhamento. “Cada pessoa tem um dom, e eu acredito que esse é o meu. Não vejo problema nenhum em estar aqui, fazendo o que faço. Para mim, é natural”, diz.
Fé em Deus para uma boa safra
O arroz, alimento essencial, passa por vários processos antes de chegar no prato dos brasileiros. Santa Catarina é o segundo maior produtor do país e o primeiro em produtividade. Mas, para quem está na linha de frente, como Rosi, o trabalho vai além dos números. “A gente nunca sabe como vai ser a safra. Se a chuva vem na hora errada, o prejuízo pode ser enorme. Mas todo ano é assim: a gente trabalha e tem fé que vai dar tudo certo”, afirma.
Além de ser uma das poucas mulheres a operar máquinas no campo, Rosi tem uma história curiosa: aos 17 anos, foi princesa do antigo Baile do Arroz, no Gaspar Grande. Hoje, quando perguntada sobre o que sente em ser mulher, sua resposta vem com a serenidade de quem já viveu muito: “Tenho orgulho de ser mulher e de tudo que conquistamos”.
A história de Rosileia Schnaider é um lembrete de que a luta das mulheres não acontece apenas nas cidades, nas empresas ou nos tribunais. Ela está em cada canto do país, nas mãos que plantam, colhem, alimentam e sustentam famílias inteiras. E enquanto houver mulheres como Rosi, a terra continuará a florescer, assim como seus sonhos e conquistas.
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