DEZ ANOS DEPOIS

O que eu vi

O relato dramático de moradores que vivenciaram o novembro de 2008


"Parece que vejo tudo que aconteceu como se fosse agora. Aquele baque não vai passar nunca", emociona-se Pedro Gandolfi, 55 anos, morador do Sertão Verde. Ele reside ao lado do morro que deslizou e atingiu uma casa, matando sete pessoas da mesma família. "Foi muito triste, um grande sensação de impotência ver aquelas pessoas soterradas e não poder fazer nada para ajudar". Durante um tempo, Pedro e os familiares ficaram fora de casa mas retornaram ao local após alguns meses. "Eu tinha uma latoaria, mas furtaram todas as minhas ferramentas, então fui trabalhar como empregado. Levei dois anos até conseguir reabrir de novo o meu próprio negócio".



Em depoimento no livro A Tragédia do Morro do Baú, de José Geraldo Rodrigues de Menezes, o então prefeito de Ilhota, Ademar Felisky, recorda que na segunda-feira, a esposa do vice-prefeito conseguiu entrar em contato telefônico da região do Baú. "Eu não queria acreditar no que ela me relatava sobre os fatos ocorridos no Baú. Foi então que a Defesa Civil do Estado foi acionada... Nós nos abraçamos aos moradores, ao vice-prefeito, aos vereadores daquela localidade, no sentido de minimizar a dor daquelas pessoas. Só que a sensação de impotência diante de uma tragédia é tão grande, nos faz pensar. O que adianta ser prefeito, se não posso devolver o mínimo de condições para aquelas pessoas? Foram horas difíceis, dias intermináveis. "A nossa primeira preocupação foi salvar vidas. Não permitir que mais ninguém viesse a óbito. Queria ter feito mais, mas diante da grandiosidade do desastre ocorrido, fizemos o que foi possível".



Em novembro de 2008, o tradicional restaurante Barril D`Ouro, no bairro Belchior Alto, ficou destruído e a casa ao lado, onde residia a proprietária do estabelecimento, Marlise Kasulke Gesser, e os três filhos, também ficou danificada. Hoje, ao passar pelo local, percebemos que a casa da família está quase pronta para voltar a ser habitada. A expectativa, segundo Marlise, é que a reforma seja concluída nos próximos dias e que ela possa voltar para lá em no máximo duas semanas. Durante estes 10 anos, Marlise morou - sempre pagando aluguel - em casas no Centro da cidade e nos bairros Sete de Setembro e Coloninha, onde reside hoje. "Em breve estaremos no nosso lar. Resolvi voltar para lá pois tenho uma missão: quero fazer a terraplanagem no local para garantir não só a segurança da minha família, mas também dos meus vizinhos". Muito emocionada, Marlise relembra tudo o que passou e a tristeza ao ver a única fonte de renda da família destruída. "Já estávamos abrigados na base comunitária quando tudo aconteceu e, no outro dia de manhã, fui ver como estava a casa e o restaurante. Quando cheguei lá, vi tudo caindo. Foi muito difícil". Marlise tinha apenas R$30,00 na carteira e, durante alguns dias, permaneceu na casa de parentes, com os filhos. "Alguns dias depois, saí sem destino para procurar um emprego. Na primeira porta que bati, consegui uma oportunidade. Fui contratada pela empresa Fácil Confecções", recorda-se.



As forças de segurança não tinham veículos traçados e, para chegar a muitos lugares atingidos, foi preciso contar com a ajuda e boa vontade de jipeiros e motoqueiros de trilha. Um dos voluntários foi o piloto Osmar Reinert, que na época integrava o Trail Club. "Lembro-me que foi um desespero total. Chegou a informação de que havia pessoas precisando de remédios no Gaspar Alto, mas ninguém consegui chegar até lá. Então, nos prontificamos a ajudar e primeiro tentamos passar pelo Gaspar Grande. Mas havia muitas barreiras e não deu certo. Tentamos, então, um caminho pelo bairro Garcia, em Blumenau, mas também não foi possível passar por lá. Não iríamos desistir e tentamos outra rota, desta vez pelo bairro Jordão - deu certo e conseguimos entregar os medicamentos no Posto de Saúde. Depois que as estradas foram abertas, nosso trabalho continuou na comunidade São Cristóvão, ajudando a separar roupas e alimentos que chegavam em forma de doação. Foi bastante cansativo, mas ninguém pensava em parar, só queríamos ajudar quem estava sofrendo".



Quando decidiu fazer o curso para se tornar um Bombeiro Voluntário e ajudar a fundar a unidade de Ilhota, em 2005, Ederson José da Silva, 35 anos, nem imaginava que teria que enfrentar algo como a tragédia de 2008. Ainda hoje, ele se emociona ao falar sobre aqueles dias. "Durante o fim de semana, ficamos ajudando as pessoas da margem direita a deixarem suas casas devido aos alagamentos. Somente na segunda-feira é que chegou a informação de que algo ocorria no Complexo do Baú. Quando ligaram, até pensamos ser trote, era difcícil acreditar: como poderia um morro daqueles cair? Estava tudo alagado e para nos deslocarmos até lá pegamos uma embarcação emprestada com um empresário da cidade. Levamos cordas, facões e capacetes e fomos até o Belchior Baixo. De lá, seguimos até o Braço do Baú em dois tratores de moradores da região. Não foi nada fácil, o cenário era de guerra. Uma imagem que não sai da minha cabeça é a da família da Giane Reichert, que ficou horas soterrada. Ela foi retirada dos escombros por moradores, mas não sobreviveu. Eles traziam o corpo dela em uma maca improvisada, todos chorando. Quando nos viram, disseram: agora não adianta mais, vocês chegaram tarde. Isso me marcou para sempre. No primeiro dia, montamos nossa base em uma residência e a primeira noite foi assustadora. Ouvíamos pessoas berrando, pedindo socorro, os alarmes dos carros disparando. Encontramos corpos mutilados, dilacerados. Fiquei 15 dias direto lá, sem retornar para a margem direita da cidade. Sabe quando você assiste na televisão aquelas imagens de terremotos, que destroem tudo? Então... foi assim lá.



O médico Valdir Testoni recorda que, após as notícias de que pessoas haviam morrido e que muitas estavam machucadas, a prefeitura o chamou para uma reunião. O objetivo era organizar uma equipe para apoiar e prestar atendimento às famílias. "Iniciamos os trabalhos com as pessoas machucadas, debilitadas e aquelas que estavam em estado de choque. Ao mesmo tempo, começaram a chegar os primeiros corpos, cobertos de lama. Eles foram colocados em câmaras refrigeradas para posterior identificação. Logo recebemos o apoio de uma equipe de Florianópolis, que veio a Gaspar nos ajudar nesta etapa. Foi a maior tragédia que presenciei na vida e espero nunca mais passar por isso. Ainda está viivo na minha memória o desespero das famílias que perderam seus entes queridos". 

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