O último produtor de fumo de Gaspar
No Alto Gasparinho, a reportagem do MB foi ao encontro de Nelson Nicoletti, o último produtor de fumo do município
No Alto Gasparinho, a reportagem do MB foi ao encontro de Nelson Nicoletti, o último produtor de fumo do município
A paisagem do Alto Gasparinho se transformou desde 1875, quando os primeiros imigrantes italianos desembarcaram naquelas terras. Da mata virgem aos reflorestamentos de eucaliptos e sítios de hoje muita coisa mudou naquela comunidade. O suor dos imigrantes e seus descendentes banhou as terras por mais de cem anos. A extração de madeira foi por muito tempo a principal fonte de renda, depois veio a agricultura e, por fim, a mão-de-obra foi parar nas fábricas da cidade. Antes disso, boa parte das terras eram cobertas por plantações de fumo.
"Há 50 anos não se sabia onde começavam e onde terminavam as lavouras de fumo", recorda Elói Osmar Bérgamo, que junto com a esposa Elza, plantou fumo até 2004. O casal só não foi o último fumicultor da região porque ainda existe um que não desistiu: Nelson Nicoletti cultiva a planta e não se queixa. Ele considera um negócio bastante lucrativo.
O produtor caminha orgulhoso por entre seus 18 mil pés de fumo e se diz satisfeito com a qualidade das plantas. Nelson reclama apenas do clima ruim, que dificulta a colheita e acaba gerando prejuízo. Ele espera uma quebra de 35% na safra deste ano devido às chuvas. O produto colhido é comercializado para a unidade da Souza Cruz em Blumenau. São cerca de 180 arrobas de fumo por safra. "É um bom negócio, a lucratividade é razoável e se trabalha somente seis meses por ano", argumenta Nelson. Até o ano passado ele dividia a atividade com o irmão Leocínio, que preferiu trabalhar na cidade.
Nelson diz que as novas tecnologias facilitam muito o manejo, tanto que hoje ele contrata trabalhadores somente no período da colheita. Um ponto muito importante no processo é a secagem. O fogo na estufa deve ser controlado para evitar superaquecimento e até mesmo incêndios. A estufa da família pegou fogo em 1989, e a utilizada atualmente foi construída um ano depois.
Nelson explica que o cultivo do fumo inicia no mês de setembro e segue até fevereiro. A primeira fase é a produção das mudas em um viveiro. Em seguida elas são transplantadas para a lavoura, onde crescem até serem colhidas. A colheita é feita por etapas, onde são retiradas as folhas que estão maduras. Nelson conta que a cada safra são realizadas, em média, oito colheitas.
Depois de retiradas das plantas, as folhas são levadas para as estufas e colocadas em varas para a secagem a uma temperatura de 180ºC. Elas permanecem na estufa por cinco dias. Em seguida são armazenadas em um rancho até o mês de janeiro, quando são classificadas de acordo com a cor e qualidade e, por fim, enfardadas. "Quando está tudo pronto, o caminhão vem buscar e leva tudo pra empresa, é um dinheiro certo", finaliza o fumicultor.
Casal trabalhou mais de 50 anos em lavoura de fumo no Alto Gasparinho
Elói Bérgamo não planta mais fumo, mas por muito tempo fez da atividade o seu ganha-pão. Ele praticamente cresceu em meio às lavouras de fumo. Os irmãos trabalhavam na roça da família. "Se eu for colocar na ponta do lápis, trabalhei mais de 50 anos plantando fumo", diz o agricultor, hoje com 63 anos. A história da esposa Elza não é muito diferente. Ela também trabalhou na lavoura de tabaco desde criança. Hoje, o casal está aposentado, mas não esquece da época em que passava dias nas roças de fumo e noites nas estufas, cuidando da secagem das folhas. "Se trabalho matasse, já estaríamos mortos há muito tempo", brinca Elza.
O fumo produzido pela família Bérgamo era vendido para a Souza Cruz, uma das maiores do setor no Brasil. "Nosso produto ia para unidade da empresa localizada no bairro Garcia, em Blumenau. Quando todo o fumo produzido na safra estava pronto, era só ligar avisando que um caminhão da empresa passava para recolher", conta Elói. O aumento no custo de produção baixou a lucratividade e o casal decidiu encerrar a atividade. "Eu adorava plantar fumo, chorei uma noite inteira quando decidimos parar, mas hoje, vejo que deveríamos ter tomado essa decisão muito antes", admite Elza.
Químicos
Mas não foi só a baixa lucratividade da lavoura que fez o casal mudar de vida. Os problemas de saúde provocados pela grande quantidade de agrotóxicos aplicados na lavoura também influenciaram. "Os químicos facilitam bastante o cultivo, mas fazem muito mal para a saúde", diz Elói.
A geração dele, da esposa e de Nelson Nicoletti é a última a trabalhar com fumo. Algumas poucas estufas de fumo no Gasparinho é tudo o que restou do ciclo do fumo na região. Isto ajuda os moradores a manterem viva a memória da época em que plantar fumo era a fonte de subsistência das famílias do Alto Gasparinho. Os filhos desta geração preferem trabalhar na cidade e se interessam pouco pela lida no campo. "Eles têm razão, a vida hoje é muito mais fácil do que no nosso tempo", observa Elza com o olhar perdido nas lembranças.
47 mil produtores de fumo em SC
Área média 2 hectares por propriedade
O Brasil colhe 700 mil t de fumo por safra
Estudantes da Ana Lira resgatam a história da fumicultura
Uma pesquisa escolar para resgatar a história da atividade fumageira no bairro, resultou em vídeo-documentário sobre a plantação de fumo, produzido pelos alunos e professores da Escola Professora Ana Lira, no Alto Gasparinho. A inspiração, como conta a professora Sandra Maria Buchmann, veio de uma planta de tabaco que nasceu em um dos canteiros da horta escolar, no início deste ano. Como os alunos não a conheciam surgiu a idéia do trabalho. Dezenas de pessoas foram entrevistadas, e hoje o documentário de mais de uma hora de duração é o principal documento sobre esta atividade agrícola praticamente extinta na região.