Dorval Pamplona abre o livro da sua vida para contar a breve, porém inesquecível passagem pela política de Gaspar
Dorval Pamplona abre o livro da sua vida para contar a breve, porém inesquecível passagem pela política de Gaspar
"Política hoje não é coisa pra gente direita". A frase pronunciada por um cidadão comum soaria como algo natural em meio a tanto descrédito da sociedade com a classe política brasileira. Porém, o autor é um ex-político (se é que se pode dizer que as pessoas algum dia deixam de fazer política), Dorval Rodolfo Pamplona. Do alto da sua experiência de 87 anos de vida, ele dá uma olhada para o passado e relembra, com detalhes, a sua breve passagem pela política de Gaspar. O ano é o de 1956 e Dorval senta pela primeira vez na cadeira de prefeito, substituindo a Julio Schramm. Este é apenas um capítulo na vida deste ilustre gasparense.
O primeiro se desenrola no bairro Gaspar Mirim, onde Dorval nasceu, se criou e trabalhou na roça com o pai, Rodolfo Vieira Pamplona, até os 21 anos. A família produzia cachaça e farinha de mandioca. Certo dia, Dorval decidiu abandonar o cabo da enxada e foi para a cidade estudar e trabalhar. Abriu uma indústria de arroz e, aos 24 anos, casou-se com dona Maria, com quem vive até hoje. Ela lhe deu quatro filhos, um deles morreu ainda pequeno e eles adotaram Iara. A filha adotiva mora ainda hoje com o casal, no bairro Coloninha.
Mas, e a política? Bem...Sua candidatura foi sugestão do governador do estado da época, Jorge Lacerda, que conhecia muito bem o pai de Dorval, que havia sido vereador. Seu Viera achou boa idéia lançar o filho candidato a prefeito. "Como eu tinha a indústria de arroz e andava muito por Gaspar, acabei ficando conhecido", conta o ex-prefeito. Dorval era o candidato da UDN (União Democrática Nacional) e o adversário Reinoldo Bornhausen, do PSD (Partido Social Democrático). Apesar da disputa pelo cargo de prefeito, os dois eram amigos. No fim de um longo dia de trabalho, visitando eleitores de porta em porta, os dois sempre se encontravam para um café no centro da cidade. "Nós anotávamos os pedidos dos eleitores em troca de votos e depois conferíamos nossas listas. Aqueles que pediam a mesma coisa para os dois candidatos, riscávamos da lista e não dávamos nada", revela Dorval.
Se a estratégia deu certo ou não, Dorval acabou vencendo a eleição. Nos três primeiros anos, trabalhou com mais cinco funcionários, sem ganhar um único centavo de salário. A partir do quarto ano, passou a ganhar o equivalente a um salário-mínimo da época: 7 cruzeiros e 50 centavos. "Entrei na prefeitura com um Chevrolet 52 novinho e saí, no final do mandato, a pé", garante o ex-prefeito, mostrando a honestidade e o empenho com que se dedicou a administrar o município.
A principal obra do seu governo foi a construção da ponte Hercílio Deeke. "Na época, muita gente morria em acidente atravessando o Itajaí-Açu de balsa", conta Dorval. Sabedor dessa necessidade, o governador prometeu à população de Gaspar que, se Dorval fosse eleito, a cidade ganharia uma ponte. Eleição ganha, Dorval foi cobrar de Lacerda a promessa. "Fui recebido em casa, quando ele ajustava a gravata". Dorval pleiteou ali mesmo o dinheiro para a construção da tão sonhada ponte. O governador olhou para o secretário da Fazenda, Hercílio Deeke, e perguntou se havia verba no caixa. Hercílio respondeu que sim, ao que o governador ordenou: "então pode dar". Dorval fez o que hoje parece impossível. Com a verba, construiu a ponte, o Colégio Estadual Frei Policarpo, no Belchior Alto, e ainda devolveu ao governo uma certa quantia em dinheiro. Em 1961, Dorval passou o governo municipal para Pedro Krauss e nunca mais ocupou nenhum cargo eletivo no poder público de Gaspar.
Diário preserva a história da construção da Hercílio Deeke
Durante a construção da ponte Hercílio Deeke, Dorval escreveu um diário, registrando todas as fases da obra. O diário ele guarda até hoje. Lá, constam muitas histórias, uma mais surpreendente e interessante do que a outra, além de importantes dados para a história de Gaspar.
Entre as lembranças que Dorval tem daquela época, está o dia em que o cofre da prefeitura foi assaltado. Ele conta que a verba para a construção da ponte era muito alta, e o governo a liberava em parcelas na medida em que a obra era executada. "Existia um órgão chamado Corretoria do Estado, lá eu pegava o dinheiro e já depositava na conta bancária da prefeitura", explica Dorval.
Alguém ficou sabendo o dia certo em que o dinheiro chegava e achou que era guardado na prefeitura. Então, resolveu roubá-lo. "De manhã eu fiz o depósito no banco e à noite explodiram o cofre da prefeitura", diverte-se Dorval ao lembrar da tolice que fizeram os ladrões porque o cofre estava vazio.
Também naquele período, Gaspar teve que enfrentar muitas enchentes. Uma delas, levou a primeira parte da ponte que já havia sido construída. Todo o trabalho era feito manualmente e foi preciso começar do zero. Ainda assim, a obra foi concluída, sob os olhares ansiosos dos moradores. Muitos queriam ter o seu nome gravado na história como os primeiros a passar pela nova ponte. Um deles não conseguiu viver para vê-la pronta, mas seu velório foi o primeiro a cruzá-la.
Outro, morador do Arraial, Elói da Silva, queria ser o primeiro a passar de carroça pela Hercílio Deeke. "Ele ficou três dias esperando na cabeceira da ponte, pra não deixar ninguém passar na frente dele", conta o ex-prefeito. A perseverança deu certo e ele foi realmente o primeiro. O fato ficou registrado no diário do ex-prefeito.
Meio século depois, Dorval assistiu aos debates sobre as condições da ponte e as reivindicações por uma nova. "Quando houve aquela comemoração, com a presença do governador, que garantiu verba para a segunda ponte, eu disse ao prefeito da época: começa a ponte, pilar por pilar. Foi assim que eu fiz. Mas ele não deu bola e a nova ponte não saiu". Dorval diz que, politicamente, nunca esteve tão fácil construir uma nova ponte, porém, não acredita que isso vá acontecer tão cedo.
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