À espera de um teto
Cento e trinta famílias permanecem sem teto em Gaspar
Cento e trinta famílias permanecem sem teto em Gaspar
A casa própria é o sonho de boa parte da população brasileira. Imagine conquistá-la e da noite para o dia precisar abandoná-la sem previsão de retorno. Essa é a realidade de milhares de famílias do Vale do Itajaí depois da enchente de novembro do ano passado. Algumas famílias recuperaram seu pedaço de chão, a casa e parte do que havia dentro dela. Outras, no entanto, continuam a sonhar um dia voltar e recomeçar a vida interrompida pela catástrofe. Nesta situação encontram-se 130 famílias de Gaspar, provisoriamente instaladas há quatro meses em um prédio e galpão da rua João Vieira, no bairro Santa Terezinha. Este é o abrigo ou condomínio, como vem sendo chamado o espaço pela prefeitura, para quem perdeu tudo ou quase tudo.
As famílias vieram de todos os cantos de Gaspar, expulsas pela fúria da natureza que não poupou casas, móveis e eletrodomésticos. Algumas residências permanecem de pé, com as paredes rachadas, mas o destino deve ser mesmo a demolição. Com base em laudos técnicos de geólogos, a Defesa Civil não permite o retorno das famílias para suas residências pelos riscos de estarem próximas aos morros. Em outras casas a solução existe, mas o custo é bem mais elevado do que erguer uma moradia em outro lugar. É aí que começa o drama dessa gente.
Saudades
A casa onde família Gandolfi morou por 15 anos no Sertão Verde está condenada. De seu acanhado espaço, no condomínio provisório, Marlene reza todos os dias para que venha logo a solução. “Não sei se vamos poder voltar para a casa, mas quero uma igual aquela que a gente morava”, diz Marlene enquanto afaga no colo a neta Anita, 7 anos. “Gosto de morar aqui e brincar de pega-pega com as amigas, mas estou com saudades de casa”, diz a jovem com a mesma incerteza da mãe. A bisavó, que também se chama Anita, 72 anos, vem de Navegantes para ajudar. “Sempre que posso estou aqui”, diz ela enquanto lavava a louça.
Marlene não se queixa das instalações e do atendimento que recebe da prefeitura. O fato da família ser numerosa - nove pessoas - dá o direito dela ocupar um dos andares do prédio onde há maior privacidade. Ela e o marido dormem numa sala transformada em quarto e os filhos em outras duas peças. “A gente é bem tratada e, na medida possível, recebe toda a assistência da prefeitura. Só precisa de um pouco mais de segurança”, avalia Marlene. A prefeitura construiu banheiros individuais, uma área para lavagem de roupas com tanques e máquinas e uma outra com 15 fogões novos e nove pias onde cada família faz o seu próprio alimento. Todas as despesas com gás, luz e água são pagas pelo poder público. Por mês, segundo a prefeitura, a conta chega a R$ 9 mil.
“Deita-se com barulho e acorda-se com barulho.”
Adair Gomes(foto)
“Segurança aqui só a de Deus”.
Deivison Gomes
Prefeitura tem área para construir loteamento
O secretário municipal de Desenvolvimento Social, Edinei de Souza, admite que a situação é delicada no condomínio. “São muitas famílias, com hábitos diferentes, convivendo num espaço improvisado, isto gera conflitos. Eu tenho dito, durante as reuniões no condomínio, que elas precisam resolver e administrar esses conflitos de relacionamento”.
O secretário assegura que a prefeitura vem dando toda a assistência física e psicológica para que as famílias tenham conforto e convivência pacífica no condomínio. Segundo ele, o gasto mensal do poder público para a manutenção do espaço chega a R$ 9 mil. Embora a reclamação da falta de privacidade, o secretário diz que os apartamentos improvisados (2 e 3 dormitórios) foram instalados com isolamento acústico em suas divisórias, mas que um toque de silêncio deve ser implantado no condomínio. Para a solução da falta de segurança, Edinei anuncia que a prefeitura já abriu licitação para a contratação de uma vigilância 24 horas para controlar a entrada e saída de pessoas.
Sobre o futuro, Edinei diz que a prefeitura não tem ainda um prazo para solucionar o problema, mas que uma área às margens da BR-470 já está destinada para a construção de um loteamento de 100 casas. A iniciativa faz parte do projeto “Conhecer para Sustentar”, firmado entre a prefeitura e a Fundação Bunge em maio deste ano.
As casas serão erguidas com dinheiro público e por meio de doações da iniciativa privada. Só terão direito às moradias, as famílias que comprovadamente perderam casa e terreno próprios na tragédia. “Esta é uma condição da Defesa Civil”, revela Edinei.
Projeto
As famílias que não se enquadram nesta situação poderão adquirir a moradia própria por meio do programa “Minha Casa, Minha Vida”, do governo federal. Nas reuniões com as famílias, Edinei tem lembrado que o fato delas não estarem pagando despesas de água, energia elétrica, aluguel e até alimentação em alguns casos abre a possibilidade de uma poupança para futuramente ingressar no programa da casa própria popular.
Famílias vivem a angústia da incerteza
O casal Adair Gomes e Lindacir Monteiro e quatro filhos, o mais velho com quatro anos e o mais jovem perto de completar dois anos, viveram oito anos numa casa de cinco cômodos no Jardim Primavera, também conhecido por Marinha, no bairro Bela Vista. A família foi retirada da casa, que parcialmente desabou, e foi levada para um abrigo em Blumenau.
O pouco que restou na casa foi saqueado e o casal vive a expectativa do futuro. “Não é fácil, a gente fica ansioso para sair logo daqui”, desabafa Lindacir que conta ter emagrecido seis quilos depois que passou a viver essa angústia.
Adair, que trabalha de servente de pedreiro, conta que as crianças têm dificuldades para dormir à noite e quanto conseguem o sono é sempre muito agitado. “Deita-se com barulho e acorda-se com barulho”, afirma Adair. O frio dos últimos dias também atinge diretamente as crianças. “Que Deus ajuda a gente a sair logo daqui”, pede emocionada Lindacir.
“Não sei se vamos voltar para casa, mas quero uma igual aquela que a gente morava.”
Marlene Gandolfi
“São muitas famílias, com hábitos diferentes, convivendo num espaço improvisado, isto gera conflitos.”
Edinei de Souza
“Falta privacidade e nem todo mundo aqui é amigo”
Salete Bueno não perdeu só o teto, nos últimos meses procura por emprego na sua especialidade, o ramo da facção. Ela, o marido, que até pouco tempo também estava desempregado, e dois filhos moravam numa casa alugada na rua Helena Kaufer no bairro Bela Vista, mas por fatalidade o muro do vizinho desabou sobre a parede da residência. Salete está bastante otimista. “Eu acredito que logo vão dar um jeito de achar um lugar pra gente morar”, confia. O mineiro Deivison Gomes, a esposa, um filho e a mãe moraram por quatro anos numa confortável casa de onze cômodos no Barracão.
Hoje, a família ocupa um pequeno cômodo de 20 metros quadrados improvisado com divisórias e sem teto. Deivison admite que a convivência tem sido difícil no condomínio. “Falta privacidade e nem todo mundo aqui é amigo”. A esperança, diz ele, “é que a prefeitura resolva o mais depressa possível essa situação”. Operador de máquinas, Deivison trabalha à noite e durante o dia deveria descansar, mas não consegue por causa do barulho provocado pelos aparelhos de som e televisores em volume alto, e o próprio vai-e-vem das pessoas. Por isso, ele já pensa em voltar para Minas Gerais. A segurança no condomínio também o preocupa. “Segurança aqui só a de Deus”, resume.