Assim é a rotina na Zenaide Costa

Moradores convivem em harmonia em dos dois abrigos ainda em atividade, embora exista muita angústia com o futuro

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Moradores convivem em harmonia em dos dois abrigos ainda em atividade, embora exista muita angústia com o futuro

A Escola de Educação Básica Zenaide Schmitt Costa é hoje um dos dois abrigos restantes em Gaspar. Moram ali 18 famílias que continuam sem poder voltar para suas casas. Apesar da situação triste, o convívio entre os abrigados e os poucos voluntários que continuam trabalhando na escola reconforta e proporciona a eles ainda pequenas alegrias, porém o que elas mais querem neste momento é uma oportunidade de recomeçar suas vidas.

O professor de dança Felipe Contini passou as suas férias cuidando do abrigo por vontade própria. Vinha todos os dias, com chuva ou sol, inclusive nos finais de semana e no Natal. Chegava pela manhã e saía só à noite. Para ajudá-lo a suprir as necessidades das pessoas que ali estão, Felipe convidou uma tia e o primo Danilo Vicente dos Santos, que assumiu a missão de entreter as crianças. As brincadeiras ajudam a distraí-las e reduz a agressividade típica do sentimento infantil de perda.

Nos primeiros dias, a comunidade do Santa Terezinha solidarizou-se, doando alimentos. Havia policiamento durante 24h. Mais tarde, quando tiveram certeza de que o local era seguro, e os abrigados estavam bem organizados, o policiamento foi dispensado. Durante o período de férias, o abrigo recebeu a visita de uma doutora de Minas Gerais, que passou três dias com as famílias. E alunos voluntários da Universidade de São Paulo vieram ajudara a cuidar do abrigo.

As famílias são de diferentes bairros da cidade e hoje dividem o mesmo teto e as mesmas angústias e expectativas quanto ao futuro. A convivência entre elas, segundo Felipe, é tranquila. Algumas pessoas ajudam nas tarefas diárias, como na limpeza e preparo das refeições. Agora, os moradores do abrigo iniciaram uma proposta de seleção de lixo reciclável, que será vendido para comprar itens que estão faltando na cozinha.

Aniversário

Preocupado em distrair os abrigados das lembranças do fatídico final de semana de novembro do ano passado, Felipe começou a organizar diferentes atividades interativas. "Teve um dia que chegou uma família que tinha perdido tudo, inclusive um parente, e eles tinham uma filha que faria aniversário no dia seguinte. Fizemos uma festa de aniversário para ela", conta o voluntário.

O professor também organizou uma festa de Natal para os moradores do abrigo e o próximo evento será um chá de bebê que está sendo preparado para uma das abrigadas, que está prestes a dar a luz. Para o dançarino, participar dessa parte da história dos abrigados e poder ajudá-los trouxe um aprendizado muito grande. "Foi uma experiênica maravilhosa na minha vida", afirma.

Moradora do Sertão Verde busca novo lar para recomeçar sua vida

Enriqueta Pereira morava de aluguel com sua família em uma casa no Sertão Verde. No final de semana em que ocorreram as enchentes e os deslizamentos de terra, ela perdeu todos os seus pertences. Em questão de meia hora, viu a casa ser soterrada. Sem emprego, com o marido doente, Enriqueta está agora abrigada na escola Zenaide Schmitt Costa. Hoje ela divide a sala com a família de uma de suas filhas, Selma, que está grávida e não pode voltar para a casa, pois está interditada.

"Aqui é calmo, mas não há nada como a casa da gente", diz Enriqueta. Sua família já procurou outra casa para alugar em Gaspar, mas não encontrou. Uma de suas filhas mora em Curitiba, mas Enriqueta não se arrisca a ir para lá, pois "é uma cidade muito grande para quem não sabe ler". Mesmo assim, ela tem esperança de logo ter seu próprio lar novamente.

Apesar de ter pressa em ir embora, Enriqueta garante que está sendo bem trata, e agradece as pessoas que estiveram no abrigo, cuidando deles. "O que me preocupa é que as aulas já vão começar, e ainda estamos aqui", explica.

Em outra sala de aula, mora Tereza dos Santos Bachi e seu filho Juliano. Tereza teve de sair às pressas de sua casa, no Bela Vista, e não pôde mais voltar. Ainda assim conseguiu salvar a cama, a geladeira, duas máquinas de lavar roupa e alguns sapatos. Sua casa fica em terras da Marinha, próxima ao rio Itajaí-Açú, e está interditada, pois corre risco de desabar.

O filho de Tereza está doente. "Os médicos disseram que ele pegou um vírus da água", tenta explicar a mãe. Ele havia arrumado um emprego na empresa Círculo um pouco antes da enchente, mas não pôde continuar por causa do desastre, e foi demitido. Assim, nenhum dos dois têm condições de pagar aluguel. "Vou aguardar até o dia que for possível voltar para o que é meu", afirma Tereza.

Com as pernas enfaixadas, sentado no corredor, João Padilha observa os vizinhos de sala. Ele também morava de aluguel, numa casa localizada no bairro São Pedro. No dia da enchente, João saiu da sua residência com água até o pescoço e não viu o ferro que era carregado pela correnteza. Assim machucou os pés. Como é diabético, a ferida está custando a cicatrizar.

João ficou abrigado, inicialmente, no salão da Paróquia Cristo Rei, depois foi levado para a escola do Santa Terezinha. A casa onde mora já está livre de água, mas ele não pretende voltar. "Estou esperando uma casa que o pessoal da prefeitura me prometeu", diz e acrescenta que vai levar de seis meses a um ano para ficar pronta.

Nova administração dá novo direcionamento ao trabalho

Após a retomada dos trabalhos na prefeitura com a nova administração, foram dadas outras determinações para o abrigo da Zenaide Schmitt Costa. Como Felipe trabalha para a prefeitura, no Centro Educativo Maria Hendricks, terá que se ausentar da escola. Quem assume a coordenação do abrigo é a psicóloga da Secretaria de Desenvolvimento Social, Sandra Rosali de Menezes.

"O trabalho do Felipe foi muito bem conduzido, mas ele estava sobrecarregado", explica Sandra. Agora, será estabelecida uma escala de tarefas, da qual participarão os moradores do abrigo que se dispuserem a fazê-las. Como psicóloga, Sandra também vai trabalhar algumas questões de relacionamento interpessoal. A prefeitura irá ainda disponibilizar uma merendeira, para ajudar no preparo das refeições. Danilo, primo de Felipe, irá continuar com seu trabalho de recreação.